JORNAL DE ARAÇATUBA ENTREVISTA UM DOS GANHADORES DO TROFÉU BURITI - DEUSELI CAMPOS ALVES - MODALIDADE CRÔNICAS
1) Quem é Deuseli Campos Alves?
Deuseli: Talvez, essa seja a pergunta mais difícil de responder nesta entrevista e em todas as outras, em qualquer tempo. É questionamento humano e universal. Quem somos?... Na pessoa Deuseli, posso dizer que sou mudança, fluência, movimento. Aprendo um pouco a todo momento e me acrescento no convívio com cada pessoa que passa pela minha vida, independente da duração desse contato. Agradeço às boas energias do Universo todos os dias por essa oportunidade. Como parte de um todo me encanto por ser quem ainda não é, mas quem está se tornando.
02) Antes de começar a falar de seu trabalho, o que a Srª tem a falar de sua cidade - Liberdade/MG?
Deuseli: Despida de algumas atitudes humanas feias de alguns cidadãos que não têm amor por Liberdade (MG) e que não se importam com o seu progresso, digo que minha cidade é linda! Possui uma riqueza de histórias, de personagens típicos que ficaram na memória do povo e de outros que ainda sobrevivem, de pessoas boas, do encanto abissal que Minas dá ao seu chão que faz com que sejamos mais introspectivos, reflexivos, desconfiados e ao mesmo tempo bem-humorados, com um dialeto delicioso de se ouvir! Gosto muito da Liberdade da minha infância também, quando ainda não existiam celulares, internet e o povo conversava mais pessoalmente. Nossas mães faziam quitanda todo final de semana na padaria do Sr. José Cândido, onde tinha um forno à lenha. Lá era um ponto de encontro para se colocar a conversa em dia! As roupas eram lavadas à mão (mais sofrido, claro) e colocadas para secarem no varal seguras por pregadores de madeira. Casa onde havia neném então, era uma lindeza de tanta fralda de pano secando em cordas de nylon espalhadas pelo quintal afora... Crianças brincavam de pique, peteca, passa-anel, boca de forno e às vezes ficavam de mal por todo o sempre, e voltavam a conversar minutos depois!!! Existia ingenuidade e doçura nas atitudes. A vida era mais artesanal e o sentimento mais presente. Como em minha cidade, ainda temos pessoas que conviveram muito próximas da história do início dela, esta aparenta ter menos tempo de existência que verdadeiramente tem. Só que com o advento da globalização, ela (como quase todas as outras) foi invadida por uma tecnologia que afastou um pouco as pessoas. Todos estão tensos com as horas, com as chamadas recebidas, com as chamadas discadas, o sussurro das conversas foi invadido pelo barulho infernal dos celulares. Conversamos via internet com o vizinho, que até há pouco tempo se debruçava na janela para bater papo! Não sou contra nada disso, claro, mesmo porque é inevitável, mas como poeta, lançando um olhar lírico sobre minha cidade, sinto-me um pouco saudosista. E olha que não sou tão velha assim, hein! rs! Quando nasci, o homem já havia pisado na Lua há muito tempo! rs!!!!!
03) A Srª gosta mais de ler e escrever, ou de desenhar e pintar? Por quê?
Deuseli: Gosto de ler e de escrever. Sou míope desde pequena, acho que isso me afastou de habilidades que requerem a perspicácia da visão, como a pintura ou o desenho. Não que eu não admire esse tipo de arte, pelo contrário, admiro mais ainda, mas me senti sem paciência para desenvolvê-las.
04) Quanto ao que escreve, a Srª tem preferência por quais temas? Por quê?
Deuseli: A solidão existencial. Sempre. Esse tema está impregnado em mim. Não é por um acaso que meu segundo livro tem por título "Pessoa".
05) Com quem se identifica mais em suas obras? Por quê?
Deuseli: Com Clarice Lispector nos questionamentos, Manuel Bandeira e Mário Quintana no lirismo.
06) Como foi a ideia de começar a escrever?
Deuseli: Aos seis anos eu já lia e escrevia. Poesias, inclusive. É dom.
07) O que a motiva a escrever? Tem algum cantinho especial?
Deuseli: Ler me motiva a escrever. Mas, não tenho um momento especial, um lugar especial. Os textos vêm até mim.
08) Com toda a certeza, a Srª já ouviu críticas a respeito do seu trabalho. Como as encara?
Deuseli: Com a maior naturalidade possível e com a plena consciência do respeito para comigo mesmo pelo fato de eu ser uma escritora. Meus textos são verdadeiros, limpos e minha consciência também. Se for um elogio, absorvo, se for uma crítica negativa, desprezo e pronto.
09) Falando sobre seus trabalhos, como decide sobre os títulos?
Deuseli: É inacreditável; mas, meus poemas vêm com título, começo, meio e fim. Sempre. Nunca sofri para escrever um texto.
10) A crônica "A casa da vó", 1ª colocada no I Concurso Literário Buriti Cronicontos, teve inspiração em quê? Ou em quem?
Deuseli: Na casa da minha avó materna, na vó, no vô, tios e tias, primos e primas que confeccionaram essa preciosidade em minha vida!
11) Ao confeccionar suas obras, a Srª tem em mente passar algum aprendizado?
Deuseli: Não. Mas me realizo quando vejo pessoas se identificando com os poemas, os textos, e enxergando neles, um pedaço de suas vidas também. (Quase todo mundo tem uma lembrança de casa de vó, por exemplo... A saudade é inevitável!).
12) A senhora participa de algum grupo de estudo ou associação cultural?
Deuseli: Faço parte da Fundação Cultural Del'Secchi, da Confraria da Ordem dos Poetas do Dragão Dourado (RS), ah! E agora do 'Buriti Cronicontos'!
13) Aos estudantes, o que indica?
Deuseli: Como disse Quintana: "O verdadeiro poema não é aquele que a gente lê e sim aquele que lê a gente", indico que leiam muito, muito mesmo. Sobretudo o gênero textual que tiverem preferência.
14) Qual o recado que deixa aos leitores do site?
Deuseli: Não é bem um recado, mas um agradecimento: obrigada, muito obrigada!
15) Como se pode ter contato com o seu trabalho?
Deuseli: Publiquei meu segundo livro pela Real Academia de Letras do RS, um trabalho particular, por isso, não está nas livrarias. Qualquer interesse entrem em contato comigo pelo e-mail: deuselicampos@ig.com.br - Beijo grande a todos!
03/10/2010
Coordenação e realização: Prof. Pedro César Alves, Araçatuba/SP.
O TEXTO PREMIADO DE DEUSELI CAMPOS ALVES:
A casa da vó
Após longos dias de chuva e um arriamento súbito do telhado de três importantes cômodos, a casa agora terminava de ser demolida por mãos humanas, deixando vago um lugar naquela rua, que foi o cenário de tantas histórias de vida.
Era a mais importante de todas as casas da família, pois aquela, era uma casa de vó, (e as casas de vó têm um segredo e uma serenidade no ar, que as que não são, não conseguem imitar). Cada detalhe, cada cantinho ficaram gravados na memória dos netos, que ali tiveram boa parte de suas infâncias.
Ainda me lembro perfeitamente do “bancão” construído pelas mãos do carpinteiro vô Tião, para assentar nesse móvel toda a criançada nos almoços de Natal e domingo. Ocupava o lado da mesa no canto da parede, feito de madeira clara e invernizada, era tão longo aos olhos de crianças, que nem imaginávamos vê-lo em tamanho tão natural após o nosso crescimento.
Pelos cantos da cozinha de cimento liso tingido de verde, ficavam um artesanal armário e um guarda-louças, que guardava aquelas xícaras e bules que se faziam antigamente.
Da mesa de refeições, enxergávamos a beirada do lavatório, ao centro da porta, cercado por dois banheiros, quero dizer, um só banheiro separado: chuveiro de um lado e privada de outro.
Mais adentro, ficava a sala sobre um assoalho de madeira roído pelos cupins, onde vô Tião se sentava para contar histórias aos netos. Havia uma cantoneira onde moravam os santos da vó Carmem.
Os quartos, ah! Os quartos de janela de madeira pintados em azul, que com o cair da noite tudo escureciam e nos pregavam tanto medo! Abrir os olhos, era o mesmo que não abri-los! Daí éramos salvos pelos interruptores pendurados em fios pretos, os quais eram alcançados ao deslizar as mãos pelas paredes, e salve a luz! Ficavam acesas até o amanhecer, quando vó Carmem se levantava e começava a fazer barulho de panela na cozinha, avisando que as assombrações já haviam ido embora! Nascia então, mais um dia para brincadeiras. Ah! Já estava esquecendo um segredo: debaixo da cama da vó e do vô, havia um urinol esmaltado enorme, no qual batíamos a cabeça quando brincávamos de pique - esconde dentro de casa... Fazia um barulhão só, entregando a vítima ao caçador...
No quintal da casa estavam plantados muitos pés-de-couve do lado esquerdo e do outro lado, umas roseiras (onde foram enterrados nossos umbigos...) e um caminho cercado de pés-de-café, por onde passávamos para irmos até o batedouro de roupas (ainda se lavava roupas em barulhentas bacias e aquelas mais sujas eram surradas naquela tábua em declínio pelo barranco!), dali, descíamos correndo, escorregando pelas pedrinhas, passávamos pelas roseiras de novo, por um viveiro, até alcançarmos a carpintaria do vô Tião, de onde pegávamos toquinhos de madeira para fazermos mesinhas e prateleiras nas brincadeiras de casinha.
Atrás da carpintaria, havia um barranco onde tio Neném esculpiu um homem em tamanho natural, era o terror da criançada!
No espaço livre do quintal, desenhávamos amarelinhas e jogávamos queimada até o entardecer. Depois nos recolhíamos, ou junto dos avós, ou em nossas casas conforme escolhêssemos.
Dias e noites se passaram, os anos e os carunchos foram gastando aquela moradia, cada neto crescendo, assumindo caminhos, o vô foi morar no céu e a vó ficou na casa, que começou a cair poucos dias depois dela ter se mudado para uma outra próxima. Dali, podemos ver o vazio da rua, a falta da casa. Tudo passa. Como disse Martin Heidgger: “Carregamos para sempre as nossas perdas, nunca mais é muito tempo!”
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