A NOVA ESTRADA BRASIL-PACÍFICO
Na nova estrada Brasil-Pacífico, o progresso é via de mão dupla
Rodovia terá pouca relevância para exportações brasileiras, mas já causa profundas transformações locais, boas e ruins
Pedro Carvalho, enviado ao Peru 12/07/2011 05:55
Na próxima sexta-feira, uma ponte será inaugurada na Amazônia peruana. Feita de estrutura metálica vermelha e suspensa por enormes cabos de aço, presos a 75m de altura, será a primeira a atravessar o rio Madre de Dios – que no Brasil vira o Madeira. Ela vai ligar Puerto Maldonado e Triunfo, duas cidades onde a esperança de escapar da miséria chega aos jovens na forma de aventuras pelos garimpos ilegais da região. Essa ponte, chamada Billinghurst, significa que agora um brasileiro poderá pegar seu carro e dirigir até o Oceano Pacífico, sem passar por nada que não seja estrada asfaltada.
A ponte Billinghurst: 520 metros que faltavam para ligar um país a um oceano
A Estrada do Pacífico (veja mapa abaixo) ficou pronta trecho por trecho, só faltava a ponte. O pedaço que sai do Acre, corta a floresta tropical, sobe os Andes e chega até a cidade de Cuzco (no alto da cordilheira) foi inaugurado em dezembro. O resto, que parte da antiga capital Inca para o outro lado, até o mar, já era asfaltado – mas foi recuperado. Assim, o Brasil ganha uma ligação com o maior oceano do planeta, embora na prática a novidade seja mais importante aos peruanos que aos brasileiros.
Não que isso seja uma injustiça – é o governo peruano que pagará pela obra. E, inclusive, construtoras brasileiras receberam para fazê-la. O maior contrato, no valor de US$ 1 bilhão (R$ 1,6 bi), foi executado por um consórcio liderado pela baiana Odebrecht, que construiu – e vai administrar por 20 anos – a parte entre o Acre e Cuzco. Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez participaram de um trecho que sai da via principal e chega a portos do sul do país.
Mas é improvável que a estrada vire um corredor para a exportação de soja, minério e outras commodities brasileiras para a Ásia, como alguns especialistas acreditam. É muito remota, sinuosa e estreita (uma pista, sem acostamento). Talvez o único produto para qual a hipótese faça sentido seja a carne produzida no Acre. É verdade, ainda, que a vida dos acreanos deve melhorar com a chegada de cebolas, tomates, uvas, azeitonas e cimento vindo do Peru – hoje, essas coisas precisam chegar de lugares distantes, como o sudeste brasileiro.
A grande transformação, porém, irá acontecer nos povoados e cidades peruanas à beira do caminho. O progresso – tanto o bom quanto o mau progresso – será trazido, por esse veio de asfalto novinho, a comunidades antes isoladas. “A estrada cumpre funções básicas, de integração regional, antes de qualquer ‘mega-função’ de comércio exterior”, afirma Delcy Machado Filho, diretor de sustentabilidade da Odebrecht Peru.
Novatos no campeonatoAté o ano passado, o maior sonho de qualquer jogador do San Francisco era brilhar no campinho de Marcapata, numa tarde de domingo, quando acontecem os jogos. A cidade sempre viveu isolada, incrustada nos gelados penhascos dos Andes. Os moradores – são 120 famílias – levavam quinze dias para ir a Cuzco, a maior cidade da região. Ou, dependendo do clima, simplesmente não iam. Agora, levam menos de 5hs.
Isso, claro, teve consequências. Marcapata tinha três lojas na rua principal, hoje tem dez. Tinha um hotel, agora tem oito. Um trabalhador manual, que cobrava 10 soles (R$ 6,25) por dia de serviço, passou a cobrar 30 soles. Além disso, o time de futebol que vencer o torneio local irá participar, pela primeira vez, da Copa Peru, no ano que vem. A camisa bege do San Francisco é considerada favorita pelo prefeito, Placido Gutierrez. Ele comemora o fim do isolamento desportivo, mas também outros fatos importantes. “Os jovens daqui só viam o garimpo na selva como alternativa, agora pensam em morar na cidade”, conta.
Porém, se as viagens ficaram mais curtas, elas continuam traiçoeiras. “Não passa uma semana sem acontecer um acidente”, afirma Gutierrez. “Tem muito carro que tenta correr mais, atravessa a pista e cai no penhasco”.
Acontece que, naquele trecho andino, os homens fizeram um bom trabalho, mas a natureza não facilitou. A estrada não tem sequer um buraco no asfalto, nem uma curva sem sinalização, nem um “olho de gato” faltando. Mas a neve e a neblina são frequentes – e a sequencia de curvas é inacreditável. Para descer dos 4.735m de seu ponto mais alto até a floresta, a via serpenteia numa sucessão infinita de dobras pelas encostas da cordilheira. Recomenda-se cautela – e um bom remédio para enjoo – para se conseguir admirar a belíssima vista.
Llamas e porquinhosAo longo de toda a estrada, transformações como a de Marcapata acontecem. Veja-se o povoado de Cuyuni. Sempre teve tudo para ser um lugar turístico: cultura tipicamente andina, com suas mulheres que tecem as próprias roupas coloridas e suas divertidas llamas; comida deliciosa e totalmente orgânica, plantada ali mesmo, como aquelas que se paga uma fortuna para comer na Europa; uma vista espetacular do pico de Ausangatec, com seu cume forrado de neve a 6.300m de altitude. Mas Cuyuni nunca foi turística.
As 60 famílias do povoado esbarravam num problema. Cuzco, que tem aeroporto e recebe milhares de viajantes a caminho de Macchu Picchu, ficava a 7hs dali. Depois da chegada da estrada, que reduziu a viagem a 45 minutos, os moradores construíram – com ajuda do consórcio que fez a via – um restaurante-loja-mirante, na forma de empresa comunal. A visita é fortemente indicada. “Agora recebemos cerca de 350 turistas por mês, que deixam 7 mil soles (R$ 4,3 mil) na comunidade”, diz Faustino Inquillay, 26, administrador do lugar.
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