PAPÉIS AVULSOS
Quando eu era adolescente, havia Vinícius de Morais nas rádios, “sonetando” lindas melodias.
Escutando aquelas músicas românticas, com aquelas letras fascinantes, eu comecei a copiá-las em papéis avulsos para decorá-las e assim poder cantar junto, quando tocavam nas rádios.
Assim, descobri o soneto: um dia, vendo aquelas letras copiadas de modo errado no papel, alguém, - não me lembro quem -, disse-me que estava errado: que eu deveria dividir aquelas letras em dois quartetos e dois tercetos. Também me passou noções básicas de metrificação e rima. Provavelmente esta pessoa foi minha mãe ou meu pai. Eles eram muito musicais e cultos. Liam muito. Minha mãe era e é pianista exímia. Logo que uma musica era lançada e começava a fazer sucesso, lá ia ela comprar a partitura.
E então era só festa! Ela tocava e papai, em pé, ao lado do piano, soltava o vozeirão romanticamente.
Assim conheci: Bach, Beethoven, Lizt, Chopin, Bellini, Rossini, Zequinha de Abreu, Ataulfo Alves, Lupicínio, Lamartine Babo, Cartola, Dorival Caymmi, Garoto e mais tarde Tom, Vinícius, Chico Buarque, Gil, entre outros.
Mas as letras, ah...! As letras me fascinavam. E assim eu conheci a poesia e comecei a amá-la, sem saber que era poesia, desavisada que fui! Quando vi, já era tarde! Estava apaixonada, irremediavelmente apaixonada, pelas palavras, pelas figuras de linguagem, pela beleza das estruturas sonoras e rítmicas, pela busca insana da capacidade de se traduzir em palavras os momentos, as emoções, os pensamentos, as divagações, as reflexões.
Mamãe contou que quando papai ficou sabendo que ela estava grávida, passou a trazer livros e mais livros para que ela lesse enquanto esperava que eu chegasse a esse mundo. Li a pouco tempo a dedicatória de um deles. Dizia:
__ Para ler enquanto espera a Ritinha, para que nossa filha seja uma intelectual!
Até hoje, mamãe lê livros “por quilo”. E toca seu piano, como eu nunca consegui, apesar dos 9 anos de estudo a que me submeti: mas valeu a pena assim mesmo, pois, se não sou nem uma sombra da pianista que ela é, pelo menos tenho a sensibilidade apurada pela ou para a música e uso isso em minhas poesias. Para mim, poesia e musica são uma só arte. Não existe música sem poesia e nem poesia sem musicalidade, harmonia, ritmo, sonoridade, cadências, silêncios, esperas, etc.
Papai era contador de histórias. Cresci escutando seus contos ou como ele dizia “seus causos”, contados oralmente por ele. Era um grande contista, desde sempre.. Poucos anos antes de morrer, publicou seu livro, o “Buriti”, ganhador do “Sol de Ouro”.
Portanto, meus pais conseguiram criar seu rato de biblioteca: sua poetisa, cronista, contista e jornalista. Mas o mais importante: conseguiram me abençoar com essa imensa capacidade de ser feliz, imensamente feliz, diante das coisas mais simples.
Conseguiram desenvolver em mim a capacidade de escrever, a sensibilidade e a emoção, minhas mais poderosas armas contra as dores do mundo. Obrigada pai. Obrigada mãe.
RITA VELOSA
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